quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Belos vinhos chilenos, na escala Guaracy

Fui à degustação da Wine Chile Luxury Tastings, homenagem ao meu passado de edito de Playboy, VIP, Gula e outros empregos nos quais passei muito bem, na ABS, em São Paulo. Foi bom exercitar novamente o paladar - e encontrar muito boas sugestões para quem experimentar novos e ótimos vinhos chilenos. 

Para mim o vinho mais interessantes da variada amostra, por qualidade e preço,  foi o Single Vineyard San Carlos, malbec da Viu Manent. O sabor evoca de fato vinhas antigas, plantadas em solo craquelado, por onde penetra a água, criando rachaduras por onde crescem as raízes. A safra de 2020 foi de um ano seco. Deixou um vinho de sabor muito mineral, algo lodoso, de forte personalidade, com muito corpo e, assim, identidade única. 

Traz à memória o Vale de Colchagua e um Chile de tecnologia,  lançado adiante, um país hoje organizado, que reformulou sua constituição e tem produtos de qualidade internacional. Interessante como , com inteligência, se pode fazer algo de tão bom no solo granítico das planícies complacentes diante da majestosa cordilheira dos Andes. deixo assim um brinde àqueles que com cultura e tecnologia, fazem mesmo de um lugar inóspito do passado, como diz o slogan chileno, um passaporte para o futuro.

Dei umas notas, baseadas em critérios totalmente pessoais, na escala de inventei. Nada de pontos a la Robert Parker - apenas a nova Escala Guaracy. Ela vai de zero a dez, e leva em conta, pela ordem:  1. Corpo e complexidade de aromas e sabores (as características); 2. Surpresa (não parece mais um vinho já provado, isto é, tem personalidade própria); 3. Evocação (lembra o lugar, o seu terroir, é sugestivos à imaginação):

Ficou assim:

1. Carmenére Limites, Viña Sutil 2020 Carmere. Nota 8
2. Single Vineyard San Carlos Malbec, Viu Manent. Nota 9, alta e excelente pela relação com o preço (280 reais).
3. Santa Rita Floresta Cabernet Franc, Santa Rita. Nota 8.
4. Amayna Sirah, Garcês Silva, 2019.  Nota 7.
5. Chaski Petir Verdot, Peres Cruz. Muito apimentado. 8,5. 

Impressionante como melhoraram os cabernet, hoje encorpados, mas saborosos, e não como os antigos, pesados e saburrosos. caso deste Chaski.

6. Grand Clos Cabernet Sauvignon, Château Los Boldos, 2018. meio fumée, bastante apimentado.  Levou 96 pontos da Decanter. na minha escala dei Nota 9, mas pelo preço compraria o Viu, que ganha no custo benefício - um agarrafa deste custa 690 reais.
 
7. Las 3 Marias, 2015, Gandolini. 890 reais uma garrafa para o que seria para um vinho de de classe mundial, como diz Stefano Gandolini. El tem razão, e há certa arte em dizer isto, porque assim Gandolini colocou como astro global o que na realidade é vinho mais clássico do Chile: um cabernet do Vale do Rio Maipo. Este tem um buquê com leve aroma de... laranja. É denso, complexo, mas leve, inclusive por conta desse suave toque da laranja. Evoca também um pouco o vulcânico solo chileno, bastante mineral. enfim, é mesmo um grande vinho, e leva Nota 9,5 na escala Guaracy, embora no entanto eu fique ainda com o vinho 2 como melhor negócio.

8. Marques da Casa Concha Heritage, Viña Concha y Toro. 630 reais.

Voilà!




quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Brunello e o espírito de Montalcino



A região de Montalcino é um quadrilátero imaginário ao sul de Siena e da região do Chianti, uma área um pouco mais seca, sujeita aos ventos de sudeste, que favorecem a produção de vinhos com a casta sangiovese, a mais tradicional da Itália.

Ali, como aconteceu em outras áreas, a começar pelo próprio Chianti, e na vizinha Montepulciano, os produtores se reuniram em um "conzorcio" para controlar a qualidade e divulgar o talento do produto da região, tão célebre quanto os campos ensolarados de clima ameno, entre pradarias e castelos medievais, que seu vinho evoca.

Na segunda-feira, dia 27, uma degustação com 880 taças de cristal para servir 22 vinhos diferentes a 40 formadores de opinião encheu o salão do restaurante Cantaloup, em São Paulo. Diante da plateia e do mar de cristal, um jovem executivo italiano, Giacomo Pondini, num terno bem cortado, que não dispensou colete, cuidadosamente combinado com um par de tênis brancos, dissertou sobre a excelência dos vinhos no painel, onde estavam uma série de produtores menores da região, patrocinadores do evento.

Menores, nesse caso, não é um depreciativo. Uma das belezas do mundo do vinho é justamente descobrir e explorar novos terroirs, um trabalho de garimpo onde às vezes podemos encontrar, quase por acaso, o melhor vinho que bebemos em nossas vidas. Ele bem pode estar, justamente, naquela pequena vinícola, onde cada barrica se transforma em uma pérola. Sem os maiores e mais conhecidos produtores, especialmente do basilar criador dos Brunello, Biondi-Santi, a mostra de Montalcino foi uma verdadeira garimpagem, difícil de ser realizada de outra forma.

Foram onze taças de Rosso, a versão de mesa dos vinhos de Montalcino, que fica menos tempo em maturação nas barricas de carvalho eslovaco ou francês- e menos ainda dentro das garrafas, até a venda. São vinhos mais prontos para beber, mais baratos e comercialmente mais difundidos. Todos leves, frutados, de padrão uniforme, que garante sempre um ótimo vinho com sabor de Itália em qualquer refeição - e a bom preço.

O segundo flight, com os mesmos produtores, trouxe as garrafas mais nobres - o vinho mais amadurecido, mais trabalhado, que procura tirar o máximo da sangiovese e da própria alma italiana, ali encontrada no seu esplendor: o chamado "sangionvese grosso", enriquecido pelas condições únicas do sul da Toscana. Ou Brunello, como é mais conhecido.

No segundo painel, foi fácil provar que os Brunello estão um degrau acima dos Rosso: de forma homogênea em toda a amostra, revelou-se um vinho um pouco menos frutado, porém com mais corpo e persistência. O maior teor alcoólico, de 14 a 15 graus, serve para contrabalançar a maior presença de tanino e madeira, que deixa mais gosto, pelo maior tempo embarricado.

Todos os vinhos que provamos eram da mesma safra: 2014 (os Rosso) e 2011 (os Brunello), que ainda estão por chegar à importadora para venda a clientes. Como escolher entre os rótulos, cada qual produzido por uma azienda diferente, de diferentes lugares da região ao redor da cidade medieval de Montalcino: Altesino, Barbi, Belpoggio, Brunelli, Camigliano, Carpazo Col D'Orcia, La Magia, La Pallazetta, Pian delle Querci, Sassodissole?

Difícil. Todos os vinhos mantém um alto padrão de qualidade e as mesmas características, da cor (mais clara, própria da sangiovese) ao bouquet rico em aromas de fruta e sabor com personalidade própria, que traz para mim uma curiosa nota de... banana. Alguns são um pouco mais ácidos, um pouco metálicos, mas as diferenças são muitos sutis.

Para mim, a grata surpresa, que eu destacaria, não foi um Brunello, e sim um belo Rosso que me deu sincera vontade de comprar. O Rosso da La Magia, que se pronuncia acentuando o "ma", talvez uma referência ao casarão de pedra que em outros tempos foi pensão (à francesa, "maison"), é feito desde os anos 1970 no paese de Sant' Angelo, a este de Montalcino, com uma área de 15 hectares. Curiosamente, há 40 anos é dirigida por uma família alemã, apaixonada pela Itália, que lá se instalou e já se encontra na segunda geração.

O Rosso La Magia é leve e ao mesmo tempo complexo, alegre, ensolarado. É um vinho de mesa, mais ligeiro, mas ao mesmo tempo tão profuso de sabores que me deixou ainda mais feliz que ao provar os Brunello, ainda fechados, ocultando mais suas qualidades, em função da juventude. Nos faz pousar num piquenique na relva, acompanhado de queijo, pão italiano e fruta; quando estou feliz assim, como acontece com todos aqueles que têm um pouco de sangue italiano, me dá vontade de cantar. Ainda não tem importador no Brasil. Uma lástima que alguém certamente deveria, em breve, corrigir.


quarta-feira, 2 de março de 2016

As mulheres mais interessantes: nosso Oscar vai para...


Aqui vão as cinco estrelas indicadas para o prêmio de mulher mais interessante do cinema em 2015, o “Oscar” de O Homem Casual – láurea que a Academia americana esqueceu, mas aqui é prioridade

O tapete vermelho já recebeu os pés delicados de dezenas de atrizes que concorreram ao Oscar. Não obstante, O Homem Casual constituiu sua própria Academia para escolher cinco nomes de uma categoria que não existe na votação oficial, mas é do interesse direto do público masculino: o prêmio especial que aponta as estrelas mais magnéticas da sétima arte no ano corrente, segundo o nosso ponto de vista muito particular.

Pode ser que elas não estejam nos melhores filmes, nem tenham ganho outro prêmio, exceto o nosso. Porém, nossa indicação já sugere o que assistir se você quiser ver uma mulher capaz de deixá-lo com o queixo caído.

7
Daisy Ridley

Com um nome estranho, que mistura o clima dos bares do Village com algo medieval, Daisy Jazz Isobel Ridley conquistou corações imediatamente ao surgir como a estrela da nova série de Star Wars, que começou com O Despertar da Força. Como a garota abandonada no planeta hostil, que se vira catando lixo até descobrir que é a herdeira da estirpe jedi, é uma beleza deslumbrante justamente quando menos mostra, sob as roupas de deserto que sugerem burcas islâmicas e fazem ferver a imaginação.

Neta do dramaturgo britânico Arnold Ridler, Daisy promete ter vida longa no papel de Rey em filmes futuros, uma vez que a franquia está sendo reativada. Não é uma personagem exatamente criada para ser sensual – o que a torna mais genuinamente sexy. Faz mais a versão tomboy, como os americanos chamam as mulheres meio com jeito de homem, ou que brincam brincadeiras de menino. Luta como o Zorro e, ao contrário da maioria das heroínas do cinema, pouco tem de romântica. Em O Despertar da Força, o máximo que ela faz é um bom amigo: o medroso e simpático Finn, interpretado por John Boyega.

Ainda assim, é apaixonante. Afinal, quem não se sentiria atraído por uma mulher que está apenas começando a descobrir os seus verdadeiros poderes – e, secretamente, tem a Força?






Léa Seydoux

Ícone da beleza cult, essa francesa loura com os dentes levemente separados é daquelas mulheres cuja beleza você só entende depois de prestar mais atenção. Atriz enraizada no cinema europeu, foi protagonista de obras como A Vida de Adèle, que excepcionalmente deu a Palma de Ouro em Cannes de 2013 aos três – as duas atrizes e ao filme. 

Interpretou também a charmosa francesa, dona de um pequeno sebo, que captura o protagonista em Meia Noite em Paris. Já fez ousadas cenas de sexo no cinema, que se tornaram clássicas, como em Azul é a Cor Mais Quente, com Adèle Exarchopoulos.

Mais recentemente, Léa tem emprestado seus talentos a blockbusters hollywoodianos. Já foi par de Tom Cruise em Missão Impossível – Protocolo Fantasma e agora entrou para a galeria de Bond Girls num lugar privilegiado.

Nesta temporada, em James Bond contra SPECTRE, é a Bond Girl feita para ser o par perfeito do agente britânico, como aponta o próprio vilão, a certa altura do filme. Filha de um cientista ligado ao mundo do crime, tem a psique exata para entender e conquistar o coração de um assassino antes inconquistável. A cena em que demonstra a Bond como sabe perfeitamente carregar uma pistola, dentro de um trem, é memorável.

Bond afinal achou seu par perfeito. E nós, também.










Monica Bellucci

Não por acaso, a outra Bond Girl vem do cinema de arte. “Em SPECTRE, as duas mulheres com quem Bond se conecta têm um grande mistério, ambas têm profundidade e para isso você precisa de atrizes fantásticas”, afirmou o diretor, Sam Mendes.

Monica Bellucci já fez filmes intelectualizados, outros violentos, como o aterrador Irreversível, capaz de embrulhar o estômago do sujeito mais durão, em que mostrou todo o seu talento. O fato de ser uma grande atriz não vem em prejuízo da beleza. Uma das mulheres mais magnéticas da história do cinema, Bellucci é a própria arte em movimento. Já mais madura, desfila seu charme de balzaquiana como a viúva com quem Bond tem uma noite fortuita – para sorte dele e de toda plateia masculina.

É antológica a noite de Bond, tirando a roupa de luto da viúva que se entrega ao perigoso e irresistível estranho, com aquele ar de mulher bela que se casou ao mesmo tempo por medo e necessidade de segurança, jamais por amor. Faz pensar como é pena a passagem do tempo: um dia, Bellucci será uma daquelas matronas italianas, que guarda certa beleza do passado glorioso, opulenta e sarcástica. Por enquanto, é ainda uma linda mulher, que virou Bond Girl já no limite do possível, depois de já ter sido cantada em prosa e verso, desenhada, pintada e tratada como um verdadeiro vaso grego.








Letícia Sabatella

Em Chatô, o polêmico filme de Guilherme Fontes que levou mais de uma década para chegar aos cinemas, encontramos um bom motivo para ficar esperando. É de se lamentar que Assis Chateaubriand viva no filme seu encantamento pela socialite Vivi Sampaio, interpretada por Andréa Beltrão, atraído pela sofisticação da mulher. Enquanto isso, ignora a seu lado a verdadeira beldade: a doce e submissa Maria Eudóxia, interpretada por Letícia Sabatella, com seus olhos mareados, que canta no filme lindamente. Um erro de critério que só a baixa e deslumbrada extração de Chatô explica – ou o fato de que, na vida real, Maria Eudóxia estava longe da mulher que agora a encarnou: Letícia.

Como Maria Eudóxia, Letícia está no auge do que pode chegar uma mulher. É verdade que a atriz que vemos nas telas é a mulher de dez anos atrás, quando o filme foi rodado. Porém, não é essa a mulher que veremos sempre, a que ficará nos arquivos e nos corações, congelada no tempo, como Greta Garbo, antes de mandar seu famoso recado final ao mundo (“leave me alone”)?

Chatô estava errado, na vida e no filme. Às vezes, acredite, a mulher mais interessante, de verdade, não é amante. É a que está, oferecida, dentro de casa.




Alicia Vikander

De todas as indicadas ao prêmio de O Homem Casual, Alicia é a única que ganhou um Oscar de verdade – o de melhor atriz coadjuvante, por seu papel como Gerda em A Garota Dinamarquesa. Apesar de sua grande atuação como a apaixonada por um transgênero, para nós sua indicação vem por outro papel: a misteriosa Gaby, filha de um cientista alemão em Os Agentes da U.N.C.L.E., em que ela dança, fica de roupão de banho e convence fácil o público com seu personagem, que derrete até o gelado coração do espião russo Illya Kuryakin, um matador lacônico e inflexível.

Atriz e bailarina nascida em Gotemburgo, formada na Escola Real Sueca, Alicia começou sua carreira no cinema em Sombra da verdade, de 2007. Em 2012, ela esteve no elenco da adaptação para o cinema de Anna Karenina, o grande romance de Leon Tostói, como a cobiçada e instigante Kitty.

Este, porém, sem dúvida é seu ano. Além de Agentes da U.N.C.L.E. e A Garota Dinamarquesa, ela está também em Ex Machina, indicado ao Oscar de 2016 na categoria Melhor Roteiro Original. Como Ava, robô com inteligência artificial, ela empresta ao filme apenas o seu rosto. E, destacado pelo fato de que o resto é robótico, o semblante de Alicia é a coisa absolutamente mais fascinante do filme, graças aos lábios cheios e o nariz delicadamente quebrado. Ver para crer!







sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Um descobrimento de Portugal

Domingos Soares Franco é a sexta geração de proprietários da célebre casa José Maria da Fonseca, indisputada produtora de Moscatel, o célebre vinho de sobremesa que está entre as maravilhas de Portugal. Hoje vice-presidente e responsável pelos vinhos da empresa, estudou enologia nos Estados Unidos, de onde voltou cheio de ideias para ampliar e renovar os negócios da família, que toca com o irmão.

Algumas delas fazem desconfiar que Domingos está maluco, como a de curtir banana dentro de 5 mil litros de vinho. A diferença entre o louco e o gênio não é muito grande. Porém, alguns resultados mostram que Domingos de louco não tem nada.

Ele gosta da raridade, da tradição, da antiguidade, tanto quanto da inovação. Conta com prazer como encontrou 5 mil garrafas de Fonseca de 1940, completamente preservadas, debaixo de uma pilha de carvão – escondidas lá e depois esquecidas na Segunda Guerra Mundial. E como decidiu incorporar aos vinhos tintos da casa técnicas antigas de vinificação romana.

A José Maria da Fonseca faz vinhos mais populares, como o Periquita e o Trilogia, mas graças a Domingos começa a produzir também suas raridades. Desde 2007, até 20% do vinho das garrafas do José de Sousa, a marca da José Maria da Fonseca para seus melhores tintos, vem de ânforas ao estilo romano. Algumas, confeccionas por volta do ano de 1800, também se encontravam esquecidas na vasta vinícola, tão vasta que reserva grandes surpresas até mesmo aos seus donos.

Domingos aproveita-se do fato de que, pelo formato alongado e as propriedades do barro, a oxidação do vinho no processo de amadurecimento nas ânforas se dá pelos poros – e não pela superfície. Os antigos não tinham a mesma tecnologia de hoje, mas tinham sabedoria – e, em tempos de culto à comida orgânica e de volta às origens, o antigo anda mais contemporâneo que nunca.

Ele usa nessa produção artesanal outras técnicas antigas, como a do ripanço. Os romanos, que deixaram sua marca em Portugal não só na forma da “última flor do Lácio”, a língua portuguesa, como também na comida e costumes, raspavam a uva numa grade de madeira para separar a casca da uva e assim produzir o mosto.

Foi de Domingos também a ideia de introduzir no vinho tinto português a uva Grand Noir, originária do sul da França. Com isso, a célebre casa portuguesa passou também a produzir vinhos tintos especialíssimos. Abandonada na própria França, a Grand Noir se encontra hoje ao norte da Itália, ao sul da Suíça e, graças a Domingos, no Alentejo, onde os portugueses a chamam de “tinta francesa”.

“É a casta que eu gostava menos e agora odeio”, brinca ele. “Grand Noir, para mim, é chocolate preto”, diz. O segredo é a combinação da Grand Noir com outras uvas, que ele faz muito bem: os José de Sousa são vinhos complexos, com personalidade, encorpados, prolongados, perfeitos para serem servidos com pratos mais pesados, como os de caça. E não custam caro, pela qualidade. É surpreendente.

Experimente:






José de Sousa 2012. 50% Grand Noir, 40% Trincadeira e 10% Aragonês. Fica de seis a sete meses na madeira, muito forte, com muito tanino e algo de café. Ou chocolate amargo. Um grande vinho a um preço extraordinário: 113 reais. 



José de Sousa Mayor. Tem 60% de Grand Noir, 30% Trincadeira e 10% aragonês. A Grand Noir entra com a acidez e a Trincadeira oferece sua principal característica: abre e prolonga o vinho, que vai mudando na boca. 213 reais.




J 2011. 60% Grand Noir, 30% Torriga nacional portuguesa, 10% Torriga francesa. Um vinho mais fechado, com bastante tanino, que pode envelhecer muito bem. É um grande tinto, topo de linha da casa nesse segmento. É o mais caro dos três, verdadeira raridade, e rapidamente se esgotou – espera-se que a Decanter traga mais.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

David Bowie: é possível ser sempre jovem

Conheci David Bowie - não a pessoa, mas a música, o artista, o personagem - na faculdade, período da juventude em que gostamos de arte cult. Bowie nunca foi um artista popular. Era inventivo, iconoclasta, experimentalista. Chegou a fazer algumas músicas populares, como Little China Girl, mas ele foi muito mais uma influência criativa sobra uma série de artistas de várias gerações, e de um público mais refinado, do que realmente um artista pop.

Bowie, porém, era mais do que um músico. É verdade que ele chamou a atenção pelas roupas extravagantes, o visual andrógino e a onda interplanetária do final dos anos 1960, embalados pela chegada do homem à Lua. Sua obra inicial parecia feita para filmes de ficção científica, a começar pelo álbum que o fez famoso, Space Odissey. Foi pelo talento, porém, que Bowie se firmou, além da capacidade de renovação pelas fases de sua vida pessoal e artística, que o fizeram ganhar o apelido de "camaleão".

Mesmo sua aparição no cinema, que o deixou ainda mais conhecido, também foi cult. Os filmes de Bowie nunca foram um estrondoso sucesso de público, mas sempre tiveram charme, por serem vistos pela gente certa - os fãs de Bowie, principalmente. Foi assim com Fome de Viver, que eu vi também nos tempos universitarios, uma história de vampiros com a igualmente cult Catherine Deneuve. E Furyo, um filme de guerra, talvez seu melhor papel.

Bowie atravessou gerações como um símbolo da música criativa. Sua voz grave e inconfundível era o seu verdadeiro instrumento. Era perfeito porque era um esteta, que chegou a escrever um livro de estilo, Objects, sobre objetos de formas que ele admirava. Modelo de elegância, na vida e nas artes, nunca deixou de ser britânico, pela maneira perfeita como falava e se comportava. Profissional, nunca perdeu o interesse pelos outros nem a humildade, essência para sempre começar tudo de novo, como se estivesse partindo do zero, a real fonte da criatividade.

É um final de filme que Bowie tenha morrido justamente quando lançou seu último álbum, Blackstar. É preciso ouvir Bowie várias vezes para começar a gostar. Isso acontece sempre que estamos ouvindo algo novo, inédito, que busca outros caminhos. Ele fez parte da nossa educação musical e estética nos últimos 40 anos e deixa não apenas o legado como o exemplo de que é possível ser sempre jovem. "A idade não importa – o que importa é a intenção, a integridade e o poder de tocar as pessoas", disse ele à revista Rolling Stone.

Bowie morreu aos 69 anos. Mas sua obra provavelmente continuará agradando a jovens e velhos num futuro incontável, porque, como ele, não envelhece. Ao menos, para quem tem a mente aberta para entender a linguagem de um artista único.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O Chianti cresce

Sergio Zingarelli, herdeiro de uma das mais tradicionais vinherias do Chianti, na Itália, promoveu nos últimos anos uma grandes transformação - no seu próprio negócio e no de seus vizinhos.

Num passado até recente, os Zingarelli apostaram nos chamados "Supertoscanos": vinhos com cortes de uvas estrangeiras, que visavam sobretudo a produção em massa para a exportação, principalmente para o mercado americano, que consome vinho pela uva, e não pela procedência. Todos os anos, vende pelo mundo cerca de 4 milhões de garrafas, das quais 1 milhão de seu vinho de mesa mais conhecido, o Rocca Delle Macìe.

 Os tempos, porém, estão mudando - e ele se tornou um dos principais renovadores do vinho italiano.

Primeiro, Zingarelli contratou um novo enólogo: Lorenzo Landi. E tratou de investir nas origens, o que significa utilizar novamente em suas garrafas predominantemente a San Giovese, uva autóctone da Toscana. "A qualidade era boa, mas tínhamos vontade de fazer algo mais", diz ele.


Zingarelli, o "signote Chianti": "vontade de fazer mais"
Desde o início dos anos 2000, Zingarelli passou a substituir os vinhedos plantados por seu pai em meados da década de 1970 por San Giovese, "uma uva difícil", segundo diz, porque demanda muita luz e uma técnica diferente, o que em décadas passadas, segundo ele, era "improponível".

Agora, o resultado desse trabalho começa a aparecer. Zingarelli apresentou recentemente seus novos vinhos numa degustação para jornalistas organizado pela importadora Decanter, em São Paulo. Sua proposta é retomar a tradição da uva san Giovese, aumentar a qualidade dos vinhos, sem perder o que a Rocca Delle Macìe possuía, que é sua capacidade de alta produção, a manutenção de um padrão de qualidade, venda e distribuição.

Os novos vinhos de Zingarelli levam mais San Giovese, sem tanta necessidade de uvas complementares. Foi uma certa surpresa: os Rocca delle Macìe, em especial, que nos acostumamos a ver nos supermercado, ganharam força. Os vinhos melhoraram em qualidade. E se tornaram mais caros.

A missão de Zingarelli agora é mostrar que vale a pena pagar mais por rótulos de sua casa. Alguns deles, como o que leva seu próprio nome, já vêm recebendo bom tratamento da crítica ao redor do mundo. 


O rótulo gran selezione: Chianti especial
O que Zingarelli faz com suas fattorias, está fazendo também por todo o Chianti, região conhecida pelos seus excelentes vinhos de mesa, onde estão também produtores e marcas entre as melhores da Itália, sem no entanto receber a mesma denominação. Ele é o terceiro presidente da história do Conzorcio Vino Chianti Classico, mais antiga associação de produtores de vinho do mundo, fundada em 1924. E, à frente da associação, vem introduzidno mudanças inteligentes para a valorização de todo o Chianti.

Designação genérica de uma área vinícola entre Siena e Florença, na Toscana, o Chianti é regulado por normas que vêm mudando recentemente (se considerarmos o vinho como uma tradição centenária). Até 1996, era obrigatório colocar uva branca no Chianti Classico. Desde então ele é 100% tinto. Para ser considerado Chianti, além de produzido na região, o vinho deve ter pelos menos 80% de uva San Giovese.


Tanto o Chianti quanto o Chianti Classico sempre foram conhecidos como vinhos de mesa: um produto mais barato, para acompanhar a refeição (chamado por alguns de "vinho gastronômico"). Recentemente, por meio da associação de produtores, Zingarelli promoveu a criação de uma terceira categoria, que permite a entrada de cortes diversos: Gran Selezione.

Para entrar nessa lista, é preciso passar pelo crivo de uma comissão constituída pela associação. Isso faz com que grandes e célebres produtores que estão na Toscana, especialmente no Chianti, como Antinori, possam ser considerados também "Chianti". O que valoriza toda a categoria.

Porém, é ainda na tradição que Zingarelli ainda aposta mais. Não há uva tão italiana quanto a san giovese, da qual se fazem vinhosbem estruturados, ensolarados, frutados, que nos remetem a um piquenique ao sol entre girassóis nos campos verdes da Toscana, pontilhados pelas colinas onde espairecem antigas e charmosas cidades medievais.

É lá, onde Zingarelli fomenta também o turismo, com relais onde se pode beber o vinho, respirar o ar e inebriar-se com o savoir vivre à italiana, que ele sabe estarem suas raízes. E de onde se espalha o sabor da Itália para o mundo.

Para quem quiser experimentar, aqui vai uma brevíssima ficha com alguns comentários sobre os novos vinhos do Rocca delle Macìe (que se pronuncia "roca dele machíe"):

1) Vermentino Occhio a Vento 2014. Vinho branco DOC da Maremma, influenciado pela terra pantanosa e a proximdade do mar, cor palha, levemente esverdeado, a 99,20 reais. Um ótimo vinho de mesa, complexo, aromático, a bom preço.


2) Morellino di Scansano Campomaccione 2014. Com 90% de San Giovese, 5% de merlot e 55 de cabernet sauvignon, é muito frutado e também amadeirado. 119,20 reais.

3) Chianti Classico família Zingarelli 2013. 95% San Giovese e 5% Merlot ("para dar ao vinho um pouco de gentileza", diz Zingarelli). Foi à final dos 3 Bicchieri do gambero Rosso. Surpreende, mas para quem conhecia o rótulo mais comercial da Rocca delle macíe, é difícil deixar de lado o preconceito e pagar o preço atual de uma garrafa: 131,50 reais.

4) Chianti Classico Riserva 2011. Feito em Castellini in Chianti, com 5% de cabernet sauvignon e 5% de merlot. 212 reais.

5) Chianti Classico Sant'Alfonso 2012. Este vinho tem uma boa história. O pai de Sergio comprou uma fatorria com uma área de 120 hectares, com solo argiloso, e mandou plantar as as vinhas. O enólogo da família, na época, disse que slo argiloso não servia para a viticultura. O velho Zingarelli, então, demitiu o enólogo e colocou outro para fazer o serviço. Criaram ali um cru, 100% san giovese, curtido em barris médios de carvalho francês. o resultado é um Chianit Classico com mais volume, mais estrutura e um tom mais pesado e ferroso. O melhor e degustá-lo no local, onde há um belo relais com nove quartos, uma das maravilhas da Toscana. Preço: 164,70.


6) Chianti Classico Riserva di Fizzano 2010. Com 85% san giovese, 10% cabernet sauvignon e 55 merlot, é um vinho com boa textura e muita acidez, que ainda que precisa e pode envelhecer. Vem da célebre colina de Fizzano, borgo perto de Volterra e San Gimigniano, uma das mais belas propriedades da Toscana e de toda a Itália, que a família adquiriu em 1984. Ali, eles abriram um relais que hoje tem 22 apartamentos e, claro, um restaurante. Da construção centenária se avistam os vinhedos, os olivais e um bosque, onde se pode passar os melhores dias de toda a vida. A garrafa custa 236,50 reais


O relais de Fizzano: o melhor que a vida pode proporcionar


7) Ser Gioveto, 2010. Homenagem do pai, que deu ao vinho nome do filho, é o supertoscano mais vendido no Brasil - fenômeno particular, que não se repete no resto do mundo, muito em razão do fato de aqui ser vendido a preços relativamente baixos para o seu padrão (236,50 reais). Com 80% de sangiovese, 20% de cabernet sauvignon e merlot, e 28.000 garrafas produzidas, é a primeira safra que leva a mão de Lorenzo Landi com esse rótulo.

8) Roccato 2009. Um supertoscano, com 50% sangiovese e 50% merlot. Não é um Chianti, mas fez parte da mostra: um vinho bem estruturado, que com a presença do cabernet é mais perfumado e rascante na língua.

Conclusão? Ah, a Itália...






quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Jamón bellota: a Espanha que desmancha na boca

A peça de jamón: com um vestido de Dior
Assim como os vinhateiros, os produtores do jámon espanhol mantém sua atividade como uma tradição secular, detalhista e sofisticada, da qual vem a fama do presunto ibérico. Vejamos o caso de Josep Ramón Llorens.

Simpático, falante e cioso de seu negócio, ele se dedica na Espanha a uma especialidade ainda maior: o chamado "jamón bellota". Utiliza porcos abatidos com dezoito meses, que durante três comem apenas bellota: a semente do carvalho, que é um tipo de castanha.


O resultado, que Ramón apresentou recentemente a um grupo seleto de jornalistas no restaurante Clos, em São Paulo, é um jamón diferente. Primeiro, na cor. A concentração de belllota na ração do animal faz que o o produto espalhe mais a gordura na carne, que se torna mais rosada, suave e macia.

Em lugar do jamón convencional, que às vezes se mastiga com dificuldade, o jamón ibérico de Llores quase desmancha na boca. Ele mesmo ensina como se deve comer o jamón: "primeiro chupado, depois mastigado", como uma uva. O sabor é aveludado, acastanhado, mais suave que o do jamón comum, e mesmo que o Pata Negra, o clássico e mais conhecidos dos jamóns espanhóis.

Os porcos criados por proprietários sob a supervisão da família de Llores são muito particulares. São todos de raça ibérica pura, pretos, ou cruzados com Durco-Jerseyem, numa proporção de 25%. Depois de queimada, cortada, salgada e colocada em repouso, processo de curtimento que leva quatro meses, a carne é pendurada  em adegas mantidas a níveis constantes de temperatura e umidade.

Llorens, à direita: tradição familiar
As janelas são abertas durante o dia e fechadas à noite, pelo período de dez a doze meses. No final, são ricamente embaladas em sacos vermelhos e depois caixas da mesma cor, que fariam jus a um paletó Armani ou um vestido Dior.

Nem todas as "safras" são válidas para venda. Quando a bellota não é suficiente, ou por qualquer razão se julga que o ano não foi ideal, não há produção. Agora, começa a ser vendida a safra 2010. Chegou à Casa Flora, o importador, um lote de 500 peças. O maior da exportação de Llorens.

Conhecer e manipular o jamón é uma arte. Na adega, a peça costuma recobrir-se de fungos, que ajudam a criar o seu inconfundível bouquet. Cada peça é testada com um furador de osso, que traz de dentro o seu perfume, antes de ser aprovada.

Colocada no garrote, a perna tem de ser cortada circularmente no jarrete, para separar a carne e gordura do pé. Llores recomenda o uso de duas facas: uma mais curta e lisa, para retirar a gordura superior. Outra mais comprida, serrilhada, para fatiar a carne.
A peça: a gordura volta depois como capa para a conservação 

A gordura nunca é jogada fora. Depois de cortada a peça, é recolocada sobre o jamón, pra conservá-lo, como uma manta.

Acompanhamento? Este jamón foi servido com vinho branco Gramona. Porém, vai bem com qualquer vinho tinto. Dê preferência, claro, aos espanhóis.